Artigo de Cláudia Martins, Correspondente da Diáspora no Brasil

Partilhamos o mesmo nome (somos “xarás”, como se diz no Brasil), muitas ideias e crenças, além de duas paixões: nossa terra de origem, Portugal, e o Brasil, onde escolhemos viver. Duas Cláudias, portuguesas com certeza, brasilienses, por um tempo, cientistas, pelo espírito inquieto e curioso, amigas, definitivamente. Acredito que há equívocos reparáveis, como o de que quem emigra é para fugir a uma vida sem perspectivas, emigram os com menos qualificações profissionais, lá fora, tudo é fácil, e, a saudade é para quem fica – principalmente no Brasil, já que se fala a mesma língua, o clima e o povo são amenos e hospitaleiros… Bati um papo com Cláudia Popov, deixemos que ela conte.

 

CM – Quem és? De onde, em Portugal, vieste? Quando chegaste ao Brasil? O que te trouxe até aqui? O que te atrai, ou prende, por aqui?

CP – O meu nome é Cláudia Popov, tenho 35 anos e nasci no Porto, Portugal. Em janeiro de 2005 vim morar para Brasília, já casada, depois de eu e meu marido decidirmos que essa era a melhor opção. Na época eu estava descontente com Portugal, pelas poucas oportunidades de emprego que se apresentavam aos jovens. Tinha concluído o curso técnico superior em Qualidade Ambiental na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa e não tinha nenhuma perspectiva de emprego na minha área. Meu marido tinha passado em um concurso público para um órgão do governo em Brasília. Parecia que o Brasil mostrava nos dar mais estabilidade financeira. Então, foi uma decisão fácil para nós.

CM – Que desafios e conquistas tens enfrentado, em termos pessoais e profissionais do lado de cá do Atlântico? Qual é a tua relação com o Brasil, onde vives, o que fazes…?

CP – Resgatando o começo da relação com o país, já conhecia um pouco do Brasil, sobretudo o Sul. Costumava passar férias em Florianópolis, então, achei que a adaptação não seria difícil. Estava completamente enganada! Uma coisa é o Brasil aos olhos do turista e outra é o Brasil para os residentes. Bom, acredito que isso seja igual em qualquer lugar do mundo. A primeira dificuldade que enfrentei foi o idioma. Não da minha parte, mas os brasileiros dizem não entender os portugueses. O mais engraçado é que achavam que eu falava outra língua! Várias vezes perguntaram-me se eu era argentina, gaúcha… Foi quando me vi obrigada a fazer aquilo que a maioria dos portugueses faz: “abrasileirar” o seu português, abrir as vogais, falar devagar, em nome da boa comunicação. Ao fim de um tempo começa a ser irritante ter de repetir várias vezes a mesma palavra, então, foi a melhor solução que encontrei. A segunda dificuldade foi a revalidação do meu diploma. Até hoje isso é um problema para quem tem um diploma português. Já foi facilitado por alguns acordos entre os dois países, mas continua sendo um mar de burocracias. O Brasil não tem cursos “tecnológicos superiores”, logo, não tinha como revalidar o meu diploma. Perante as dificuldades e a demora do sistema (esperei quase um ano para o solucionarem), decidi voltar para a universidade. Entrei na graduação em Ciências Biológicas na Universidade Católica de Brasília, sem nenhum estatuto especial: fiz o vestibular, como qualquer aluno brasileiro e, como o meu diploma não estava revalidado, não pude aproveitar nenhuma disciplina para créditos. Imediatamente vi a incomparável qualidade do ensino português: no Brasil os programas são muito mais fáceis, os alunos de nível superior são tratados como crianças. Infelizmente, a maioria dos universitários, pelo menos a amostra que me era próxima, não tem a menor maturidade. Buscam o facilitismo e não a qualidade. Fiz a graduação com muita facilidade e destaquei-me nas notas. Quando terminei foi-me oferecida uma bolsa para trabalhar num projeto na área da biotecnologia. Seguiu-se um mestrado em Ciências Genômicas e Biotecnologia e já estou a terminar o doutorado, na mesma área. Sempre tive bolsa integral do governo brasileiro. Felizmente, e por mérito, nunca fiquei sem ser remunerada e sempre trabalhei dentro da minha área, aquilo que gosto. Não sei se em Portugal teria essa mesma oportunidade. No início de 2016 pude fazer o chamado doutorado-sanduíche, incluindo a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto e a Universidade de Aveiro, onde fiquei por sete meses, mais uma vez, com bolsa paga pelo governo brasileiro. As bolsas incluem auxílio para passagens aéreas, auxília moradia, despesas médicas, etc. Eu e o meu filho vivemos tranquilamente com a minha bolsa brasileira em Portugal. Voltar a Portugal mais de 10 anos depois para poder trabalhar foi um sonho! Por quase um ano pude voltar a viver na minha cidade, sentir os mesmos aromas, comer as mesmas comidas, ter a companhia da minha família, já para não falar na experiência profissional que foi sensacional! Depois, regressei a Brasília e à minha rotina. Agora espero o meu segundo filho e estou no último ano de doutorado. Quando engravidamos dentro do período de vigência de uma bolsa de pós-graduação, temos direito a uma licença de quatro meses remunerada, como qualquer outra mãe trabalhadora. Não sei como funciona essa questão em Portugal. Sei que, atualmente, os estudantes de mestrado não têm bolsas, por exemplo. Existem bolsas para mestres. Mas os alunos que se encontram a fazer o mestrado têm que viver sem qualquer tipo de remuneração. O segundo ano de mestrado é dedicado exclusivamente à pesquisa, o que torna impossível manter um emprego remunerado. Por tudo isso, sinto-me privilegiada.

CM – Como é ser uma portuguesa no Brasil, segundo tua leitura? Em algum momento pensas regressar às origens?

CP – Uma década depois, posso dizer que estou adaptada à vida no Brasil. Isso não significa que não sinto falta do meu país. Muito pelo contrário! A distância só me fez ver o tanto que eu gosto de Portugal, fez-me ver as suas qualidades incríveis. Sinto a falta do mar, do clima fresco e úmido do Porto, dos peixes frescos, do pão maravilhoso, de ter acesso a serviços de saúde pública que funcionam, da educação pública maravilhosa. No Brasil, pura e simplesmente essas coisas não funcionam: se queremos ter acesso a cuidados de saúde ou educação melhores temos de pagar. E muito! Boa parte do salário é retida para impostos, mas não vemos a aplicação desses tributos. Tudo tem de ser pago. As obras públicas são vergonhosas. Quando chove as estradas ficam alagadas. Não se pode andar de carro nem a pé. A energia cai constantemente, com ou sem chuva. E eu vivo na capital do Brasil! Nem imagino como é viver no interior do país. Outra coisa que sinto falta de Portugal é a estabilidade. No Brasil, a instabilidade política é imensa. O preço das coisas aumenta sem aviso e de forma absurda. Não podemos organizar a nossa vida como fazemos em Portugal. Nunca se sabe como serão as despesas no mês seguinte. A questão da segurança também é crítica. Vemos diariamente relatos de sequestros, roubos, violência em plena luz do dia. É óbvio que isso é preocupante, ainda mais depois que temos filhos. Eu e a minha família vamos anualmente a Portugal. Faço questão que todos conheçam bem a cultura portuguesa, as minhas raízes. O meu marido e o meu filho amam Portugal. O meu filho tem dupla nacionalidade. Foi um processo extremamante simples, resolvi tudo em Portugal. Sim, fui muito bem-recebida no Brasil. Os brasileiros, de um modo geral, tratam bem os estrangeiros, são receptivos, hospitaleiros. Porém, existem uma série de problemas sociais no Brasil que quem foi criado em Portugal simplesmente não “engole”. É muito revoltante ver as escolas ficarem meses sem funcionar porque os professores fazem greve durante um semestre, e continuam sendo remunerados. É difícil aceitar que as pessoas vão a um hospital e não têm médicos! O que é um hospital sem médicos? Ou que não haja uma seringa descartável para uma vacina, a não ser que você a compre e a leve! Enfim… Em certos aspectos, acreditamos que a vida em Portugal é mais estável. Por exemplo, o preço dos imóveis em Brasília é um absurdo, e a qualidade da construção não corresponde aos preços cobrados. Com o preço de um apartamento no centro de Brasília compram-se facilmente dois apartamentos, de alto padrão, bem localizados em Portugal. Em Portugal consegue-se viver bem com muito menos dinheiro. A alimentação, os serviços e os imóveis são mais baratos. Neste momento, talvez ainda a grande limitação para viver em Portugal seja a dificuldade para conseguir emprego. Não sei.

CM – O que achas da frase de Manoel Bandeira “um brasileiro é um português à solta”?

CP – Creio que as diferenças que nos separam são muito maiores (risos). Claro que o brasileiro é mais solto, relaxado. O português é mais rígido, mais disciplinado. Mas dentro dessa rigidez, é também mais confiável. Ainda gostam de cumprir a palavra, cumprir horários, ser rigorosos. Qualidades que gosto muito. O brasileiro é mais flexível, mais caloroso, mais espontâneo, mais aberto para o novo. Isso também me atrai muito. Em Portugal, as pessoas já me olham como “brasileira”. No Brasil, sou a eterna portuguesa. Então, no momento, sou portuguesa no Brasil e brasileira em Portugal. É curioso ver como as fronteiras se diluem nesse processo. Na minha cabeça sou portuguesa. Gosto de o ser. Adquiri alguns hábitos brasileiros. Tento conciliar a educação dos meus filhos com o melhor de Portugal e o melhor do Brasil. Penso que tem dado certo.

Por Cláudia Martins, Correspondente da Diáspora no Brasil