Na sua tour de 2019, que começou logo em Janeiro, Cristina Branco já passou por Portugal, Espanha, Alemanha, Polónia ou Suíça. No final de Abril subiu ao palco em seis cidades na Holanda, o país impulsionador da sua carreira, onde esgotou três concertos. Dia 4 de Maio Cristina Branco abriu o Junta-te ao Jazz, festival de jazz que decorre nos jardins do Palácio Baldaya em Lisboa até 12 de Maio. A cantora segue ainda para países como a Finlândia, Suécia, Noruega ou Dinamarca.

Cristina Branco ao vivo e a cores em Zurique

“Presumo que haja muitos portugueses por aqui, obrigada por terem vindo”, começou por dizer em português. Nas primeiras filas, mesmo junto ao palco, levantaram-se algumas mãos. Cristina Branco continuou o discurso de boas-vindas em inglês “Se fossemos cores, haveria uma multiplicidade de cores. Este concerto é sobre multiplicidade, diversidade. E também terá fado algures”.

“Branco” é o seu mais recente trabalho, que é o seu apelido, um começar de novo, e também a “junção de todas as cores”. Com esta explicação, Cristina Branco abriu o concerto de dia 22 de Março na Igreja Neumünster, em Zurique. Marcado para as 20h, começou com uma pontualidade suiça – poucos minutos tinham passado quando se começaram a ouvir os primeiros acordes. Surgiu assim “Perto”, seguramente um dos temas que lhe valem a recente designação de “fado-jazz”. Seguiu-se “Este Corpo”, canção que abre “Branco”, lançado no início de 2018 e mais um marco no percurso desta cantora que não se fica apenas pelo fado. “Menina” (2016) foi um disco de transição, enquanto “Branco” percorre com determinação esse caminho fora daquilo que é comumente chamado de música tradicional portuguesa.

“Não há só tangos em Paris”

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“Não há só tangos em Paris” não podia faltar, ou não fosse ela uma das canções “determinantes no caminho que eu iria seguir nos anos seguintes”, como afirmou a própria cantora em jeito de retrospectiva da sua carreira que soma já duas décadas. Cristina Branco aproveitou ainda a ocasião e fez uma dedicatória aos seus músicos – Luís Figueiredo (piano), Bernardo Moreira (contrabaixo) e Bernardo Couto (guitarra portuguesa) com “Não há ponte sem nós” (Menina, 2016). “É uma canção muito importante porque a associo à amizade destes três homens que me acompanham há tantos anos. Quero agradecer-lhes publicamente por me ajudarem a lançar este meu álbum”, disse. A recuperar de uma doença que lhe afectou a voz, acrescentou por fim “É mais sobre o sentimento do que a precisão da voz”, deixando assim o público em suspenso, entre o entusiasmo e a preocupação de notar alguma falha na sua voz cristalina. Mas a actuação decorreu sem nenhum percalço e o apreço do público não tardou em fazer-se ouvir, quase abafando com efusivos aplausos o aliviado “ai mãezinha” que escapou à cantora ao terminar a canção.   

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Continuou com “Quando julgas que me amas”, texto de António Lobo Antunes e música de Mário Laginha, do álbum “Não há só tangos em Paris”. “Cansaço”, um fado tradicional de Amália Rodrigues com letra de Luís Macedo, foi um dos pontos altos da noite, num crescendo de emoção que se sentia chegar até à plateia, ávida por ouvir mais fados. Não faltou ainda “Minha Sorte” ou “Aula de Natação”, uma “história comum e irónica”, como a descreveu Cristina Branco. “Bomba Relógio” (“Kronos”, 2009) anunciava já o final do concerto, qual relógio com o seu ritmado e impetuoso tique-taque.

Para além do fado

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Cristina Branco canta fado, mas não só. De facto, arrisca diferentes sonoridades – que vão do jazz ao tango – e colaborações com artistas completamente distintos. Se, por um lado, António Lobo Antunes, Sérgio Godinho ou Mário Laginha a acompanham desde sempre, por outro lado não se inibe de trabalhar com nomes de nova geração. André Henriques dos Linda Martini, os ex-Ornato Violeta Peixe e Nuno Prata, Kalaf Ângelo dos Buraka Som Sistema, Luís Severo ou Beatriz Pessoa, são alguns deles.

“Escolhemos a última música para vos agradecer por estarem aqui a partilhar um pouco do nosso “Branco”. Adoro cantar e, apesar da doença, é a coisa mais importante no mundo para mim. Obrigada por terem vindo”, foi a despedida da actuação que durava já quase hora e meia. “Saber aqui estar” (“Menina”, 2016) pôs a plateia a seguir o compasso da música com palmas naquele que foi talvez o momento de maior interação do espetáculo. Depois de fortes aplausos e uma plateia em pé a pedir mais, os músicos voltaram para um encore que trouxe “Os teus olhos são dois círios”, outro fado de Amália Rodrigues, bem como nova dedicatória ao público português presente. “Uma música que é para mim determinante num certo jeito de ser português, e que eu acho que quem está aqui, que fala a minha língua, e que sente como eu, vai perceber exactamente aquilo que eu estou a dizer”, concluiu. Com alguma emoção na voz, terminou com um agradecimento aos seus compatriotas a viver no estrangeiro: “Muito obrigada por terem vindo, é muito importante ter-vos aqui”.

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Independentemente da nacionalidade – portuguesa, suíça ou outra – o público, que saiu em passo lento, abandonou a igreja com uma sensação em comum: o concerto de Cristina Branco deixou, pelo menos, “no corpo todo um baque”. Um baque de tradição cantada por uma artista que foi sempre dona do palco e da sua voz. Confiante e ao mesmo tempo humilde, realçou a qualidade musical proveniente do país da saudade, que vai muito além do fado.

Por Rita Guerreiro, Berlinda.org