Sónia Silva Franco

Gosto de aeroportos. Ajudam-me a pensar. Gosto particularmente das Partidas, onde opto por me sentar a um canto, tentando ficar invisível a olhar para o grande quadro dos voos. Gosto de imaginar que escolho uma ligação qualquer, à sorte. Como será chegar a um país estranho só com a mochila às costas, alguns euros na carteira e um livro?

Coloco os phones e a música não podia ser melhor: “People are strange”. A voz de Jim Morrison enche-me os ouvidos à medida que vou observando as pessoas que preparam-se para partir. Dois jovens sorriem a um canto, no outro está uma família de malas aviadas para uma nova vida, lá ao fundo um idoso que certamente prepara-se para visitar os filhos, na tentativa de quebrar a tristeza da sua viuvez. Olho para as pessoas e gosto de imaginar as suas vidas, os seus motivos, as suas preocupações. Nicolau Breyner tinha razão quando dizia que gostava de gostar das pessoas.

Quase que aposto que os dois jovens sorridentes vão à procura de um futuro melhor fora da terra. Presumo que a anunciada obra do Museu do Romantismo não lhes interessa, nem tão pouco lhes vai dar trabalho. Provavelmente vão para uma das ilhas da coroa britânica, onde há trabalhos simples, mas que requerem mão-de-obra e um salário justo. Provavelmente vão para onde há trabalho. Atribuo os mesmos motivos à família que agora tenta acalmar uma irrequieta criança de mochila cor-de-rosa às costas. Partir para uma nova vida nem sempre é fácil. Aliás, as nossas vidas são feitas de constantes partidas. Há os que morrem e que deixam um vazio que o tempo encarrega-se de suavizar. Há os que nos deixam durante o percurso porque pura e simplesmente optaram por outra estrada, há os que desaparecem dos atalhos da nossa infância, das aventuras da adolescência e há também aqueles que fazemos questão de forçar a partida das nossas vidas porque nos fazem mal, porque têm energias demasiado negativas. A vida é feita realmente de constantes partidas e cada uma delas significa o início de algo que nos causa um misto de sentimentos: o medo do desconhecido, a expectativa, a força de vontade, a fé.

Sou interrompida pela criança de mochila cor-de-rosa que me puxa os phones para ouvir a música. A miúda sardenta e desdentada tem lata e na inocência dos seus 4 aninhos pergunta-me o que é que o senhor está a dizer no rádio. Sem grandes explicações, digo-lhe que as pessoas são estranhas e às vezes são feias quando estamos sós. A menina desata às gargalhas, senta-se a meu lado e diz-me que agora as pessoas são todas bonitas porque eu não estou só.

A Raquel é chamada pelos pais que, envergonhados, pedem desculpa pelo atrevimento da menina. “Ela é assim mesmo. Gosta de estar com pessoas, mesmo desconhecidas”, justifica-se a mãe para logo explicar que, de facto, estão de partida para uma nova vida, numa parte qualquer do mundo, onde os filhos vão ter um futuro melhor porque “aqui mudam as moscas, mas olhe, é sempre a mesma coisa. Não há futuro!”. Volto a colocar os phones e a minha bochecha arde com o beijo que a rechonchuda Raquel me deu. A vida é feita de partidas, mas há bocadinhos de pessoas que ficam cravados na nossa existência. Olho para o quadro das partidas e está na hora do meu voo. Desta vez, não foi escolhido à sorte.