Há um Portugal que vive fora das suas fronteiras, e que, apesar da distância, permanece mais português do que muitos que habitam o território continental. Esse outro Portugal chama se diáspora, corpo vivo e disperso que leva consigo não apenas uma bandeira, mas a própria continuação da Nação. E, entre os múltiplos destinos que ao longo de séculos receberam portugueses, os Estados Unidos da América constituem talvez o exemplo mais expressivo da força, da tenacidade e da capacidade criadora deste povo quando obrigado a recomeçar sob céu diferente.
A emigração para a América nunca foi fuga, mas acto de coragem. Seguiram o mar homens e mulheres com pouco no bolso e muito na alma, levando consigo língua antiga, fé intrínseca, hábitos severos e uma disciplina forjada no labor do campo e do oceano. Ao chegarem, encontraram estranheza, desconfiança e dureza. Onde muitos recuariam, o português avançou. Resistiu. Trabalhou. Construiu. Venceu, não por concessão ou favor, mas por mérito, suor e persistência.
O português da América integra se com inteligência, mas jamais se dilui. Trabalha mais do que a média, investe além das possibilidades, cria riqueza com determinação e sobe a pulso, sem privilégio. Adapta se ao país que o recebe, porém conserva intacta a memória da Pátria, como patrimônio íntimo. Mantém o bacalhau na mesa, o Espírito Santo na fé, o fado no peito e a saudade no sangue. Ensina às gerações que Portugal não é apenas lugar, mas legado. Vive entre dois mundos, embora o coração retenha fidelidade maior ao primeiro.
Eis então a interrogação inevitável. Será Portugal igualmente fiel aos que nunca deixaram de o ser para com ela A diáspora continua a enviar remessas, a fundar empresas, a divulgar cultura, a defender língua e a elevar o nome português além mar. Contudo, quantas vezes o Estado a reconhece verdadeiramente Quantas vezes não a recorda apenas quando precisa de voto numeroso e conveniente É frequente que seja celebrada em discurso, mas ignorada em acção.
Portugal esquece por vezes que quem partiu não abandonou, apenas buscou ar para crescer. Na América o português floresce porque encontra recompensa ao mérito, liberdade ao talento e estímulo à ambição. Não deixou de ser português, apenas lhe foi permitido ser maior. É espelho vivo do que a Pátria poderia alcançar se libertasse o indivíduo da tutela pesada, da burocracia inútil e do nivelamento que tantas vezes esmaga o mérito para favorecer a estagnação.
A diáspora não é memória que se guarda numa gaveta antiga. É força activa e capital vivo. É prolongamento moral, económico e cultural da Nação que ainda não compreendeu por completo o valor que tem espalhado pelo mundo. Enquanto Portugal a tratar como fotografia desvanecida pelo tempo, perderá um dos mais poderosos instrumentos da sua própria projecção.
O português dos Estados Unidos não é capítulo encerrado, é obra em execução contínua. É Portugal livre, laborioso e ascendente, muitas vezes mais vibrante além mar do que dentro das suas fronteiras. Se a Pátria deseja futuro sólido, terá de reconhecer que parte significativa da sua energia reside noutros fusos horários. Desprezar esta evidência é mutilar voluntariamente a própria força vital da Nação.
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Diáspora América do Norte por César de Paço
