Falo-vos do quarto poder, do quarto do poder e da autorregulação interna – assunto sobre o qual me irei debruçar nos meus primeiros artigos para a Diáspora Lusa – pois a temática deve constituir-se como uma formulação catalisadora do bem, do justo e da verdade, como via de apuramento deontológico, filtrado pela medida concreta da sua aplicação prática.

A autorregulação é a postura mais sensata para se atingir o valor comum, a verdade, que tem de ser procurada a todo custo pois sem ela não há informação. Daí que na minha opinião chamar de “fake news” a algo que se relaciona com o jornalismo não faz de todo sentido porque sendo ‘mentira’ deixa de ser ‘notícia’. Toda a informação que não incluir a verdade, não é informação. Se o jornalista não sabe ou não conhece a realidade sobre a qual informa, comete delito moral e profissional. Sem este atributo, a integridade intelectual e moral do informador profissional estará em causa.

Os jornalistas têm o dever de participar, pelo diálogo e pelo consenso, nas decisões e deliberações dos órgãos em que trabalham, procurando chegar à noção de justiça mediante um denominador comum. Salvaguardados os valores éticos e deontológicos, argumentar, defender pontos de vista, submeter ao diálogo diferentes conceções da vida e constrangimentos de ordem universal. Isto significa, como explica Karl Otto Apel – filósofo alemão, autor de trabalhos influentes no domínio da ética da discussão, que defende que a teoria da comunicação deve ter por base as condições pragmático-transcendentais dessa mesma comunicação – há que ter uma margem para as pessoas discutirem e chegarem a acordo sobre coisas concretas, como o bem ou o mal, abrindo terreno ao bom funcionamento do espaço público, com a preocupação de revelar o nó universal das diversas morais.

Como sujeito de conhecimento, assumindo a sua imparcialidade e o seu espaço de liberdade individual, o jornalista tem de propor uma nova dimensão ética da informação, baseada na investigação, na verificação e na interpretação subjacente a valores e convicções universalmente válidos. É fundamental que todos criem uma predisposição para fazerem da informação um espaço de respeito pelo Outro, mediante a instauração de uma atitude ética no seio das redações, fomentando um permanente debate ético. Os jornalistas, pelo seu trabalho quotidiano e pela sua reflexão sobre as condições da sua prática, têm de fazer com que os media, no seu interior, se dediquem mais ao respeito pela verdade, primeira virtude dos sistemas de pensamento, preservando a dignidade da pessoa humana.

Estamos totalmente de acordo com Umberto Eco que na obra Cinco escritos morais aponta que é no interior dos media que estas questões devem ser debatidas “pois é condição salutar (…) que a imprensa se possa pôr em causa a si própria”. Só assim se pode começar a tentar reduzir o défice de credibilidade que atualmente afeta a comunidade dos jornalistas, mediante a vigilância aos princípios

da consciência moral; respeito (pela realidade objetiva, pela vida privada e pela dignidade do homem, pelos valores universais e pela diversidade das culturas); justiça; dignidade humana; verdade; liberdade. “E, no entanto, com frequência não basta que o faça; aliás, o fazê-lo pode constituir um sólido álibi, ou então, para sermos severos, um caso daquela a que Marcuse chamava ‘tolerância repressiva’: uma vez demonstrada a sua autoflagelaria falta de escrúpulos, a imprensa já não se sente interessada em reformar-se”, como escreve Eco no mesmo livro.

A solução está, crê Dominique Wolton no livro “Penser la communication”, em “fazer o inverso daquilo que normalmente se faz. Desacelerar em vez de acelerar, organizar e racionalizar ao contrário de aumentar os volumes de informação, reintroduzir intermediários no lugar de os suprimir, regulamentar na vez de desregulamentar”.

Assumindo-se como sendo o Quarto Poder, a Comunicação Social é fundamentalmente autorregulada pelos seus pares e pelos destinatários das mensagens.

A comunidade como um todo, através do Estado, regula aquilo que são os limites mínimos da profissão, estabelecendo-os através da tutela jurídica pública, onde se inclui a autorregulação interna. Assim sendo, a autorregulação interna inclui um exercício paritário aberto e consolidado dos profissionais do jornalismo e ainda uma relação externa, através da validação das soluções encontradas, efetuada pelos próprios públicos no decorrer da sua aplicação prática.

A autorregulação interna deve constituir-se como uma formulação catalisadora do bem e do justo, como via de apuramento deontológico dirigido ao abstrato, filtrado pela medida concreta da sua aplicação prática. Tudo isto representa importantes coordenadas do exercício da profissão, na senda da formulação da verdade jornalística.

José Manuel Simões

Cidadania e Media por José Manuel Simões