Sendo a UCCLA percursora da CPLP, instituição vocacionada para a Cooperação e Desenvolvimento no seio da Lusofonia, como caracteriza a sua instituição e quais os Projetos emblemáticos em curso?

– A UCCLA foi a primeira organização a ser criada em Portugal para o aprofundamento das relações com instituições dos países de língua oficial portuguesa, em 1985. É uma associação intermunicipal internacional, hoje com 62 cidades associadas de países de língua oficial portuguesa e 3 cidades de outros países, no caso, Santiago de Compostela, capital da região da Galiza, a Região Administrativa Especial de Macau e Olivença.

Estas três, por razões da origem da língua portuguesa, como é o caso do galaico-português, que também deu origem ao galego e por razões históricas, como a Região Administrativa Especial de Macau e Olivença.

Sendo uma associal intermunicipal internacional de cidades lusófonas, a natureza estatutária privilegia essas relações no domínio da entreajuda económica, da realização de projetos que aproveitem às cidades e também no domínio cultural.

Neste momento, por ter sido deferida uma candidatura apresentada à U.E., a UCCLA tem em curso um projeto na cidade de Díli, capital de Timor, que é multidisciplinar, resultando de uma parceria com a Câmara Municipal de Lisboa e o Município de Díli.

O essencial desse projeto é centrado em ações de formação para capacitação do município, formação para funcionários municipais em domínios de atribuições autárquicas, da implementação no município de uma loja, tipo Loja do Cidadão, onde os munícipes podem encontrar respostas em domínios dos Registos Civis, Prediais, etc.. para além do melhoramento de zonas urbanas da cidade e eletrificação também da cidade.

Há um outro projeto na Ilha de Moçambique de um cluster multidisciplinar para resposta à toponímia da Ilha, ainda de apoio às bibliotecas, escolas e divulgação de projetos turísticos dado o facto de a Ilha ser Património da Humanidade.

Ainda na Ilha de Moçambique, está a terminar um projeto de conversão de plásticos recolhidos no mar, num equipamento apropriado para os transformar em objetos de utilidade diária e vendáveis a turistas.

Ambos os projetos são apoiados pelo Instituto Camões, havendo um de dinamização da apicultura na Guiné-Bissau, e também neste país, na região de Gabu, outro, para capacitação da administração da região, ambos em parceria com municípios.

Recentemente, o Instituto Camões deferiu uma candidatura de combate à iliteracia no âmbito da Educação.

Por fim, são múltiplas as atividades culturais que a UCCLA desenvolve, desde logo com exposições muito cuidadas e com curadores de reconhecimento público, que concorrem para a seleção das obras a expor e para a elaboração dos catálogos de elevada qualidade.

A UCCLA promove todos os anos um Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, com escritores convidados de todos os países de língua portuguesa, produzindo no final um livro com todas as intervenções havidas, com base num tema atual que é debatido.

De igual modo, todos os anos promove um concurso para atribuição do Prémio UCCLA/CML a todos os escritores que a ele se candidatem e que nunca tenham publicado qualquer obra.

O Prémio vai na oitava edição e o concorrente premiado vê o seu livro divulgado pela conhecida editora Guerra e Paz e distribuído por todas as livrarias do país.

Todas as semanas há no auditório da sede da UCCLA a apresentação de livros de escritores lusófonos, a realização de debates e ainda espetáculos de artistas de países de língua oficial portuguesa.

Também anualmente promovemos o Mercado da Língua Portuguesa, com uma mostra muito representativa de artesanato, gastronomia, música e literatura dos países de língua oficial portuguesa no Mercado da Vila, em Cascais e em parceria com a Câmara de Cascais.

Como classifica a importância das diásporas dos Países Lusófonos para PORTUGAL e para a divulgação de uma verdadeira cultura entre os nossos Povos? Que benefícios resultam para nosso país dos fluxos migratórios promovidos por esses Países?

Como é sabido, o encontro secular de culturas entre os povos de língua oficial portuguesa, fez gerar, em vários domínios, identidades culturais que têm um tronco comum, também caracterizado no livro de José Ramos Tinhorão, da editorial Caminho, com o título “Os negros em Portugal – Uma presença silenciosa”.

A Morna, de Cabo Verde, o Fado e o Samba resultaram desse encontro secular de culturas, que se traduz também no crioulo, em que a esmagadora maioria das palavras são oriundas da língua portuguesa, para não falar nas influências gastronómicas ou em vocábulos herdados de dialetos lusófonos.

Hoje, a língua portuguesa é das mais faladas no mundo, a primeira do Atlântico Sul e a quarta ou quinta utilizada nas redes sociais.

Além disso, é um precioso instrumento económico pelas razões da expressão que atingiu no mundo e não por acaso, há escassos anos, um escritor de língua portuguesa foi agraciado com o prémio Nobel da Literatura.

O facto de, como é público, haver carência de mão-de-obra em Portugal, em inúmeras atividades profissionais e os países de língua oficial portuguesa terem um relacionamento mais próximo connosco, possibilita, como se vê, que seja crescente o número de imigrados lusófonos, contribuindo desta forma para a economia portuguesa, o que é muito positivo.

Por essa razão, têm-se dinamizado acordos com esses países que respondem a estas preocupações que muitos empresários têm quanto a esta carência.

Nos dias que correm, como classifica a integração em Portugal das Comunidades dos Países da CPLP que aqui chegam para prosseguir com as suas vidas? Quais são os novos desafios que temos que reter para uma maior e profícua integração destes Imigrantes dos Países Irmãos?

A integração de imigrados lusófonos, tal como de emigrantes portugueses para países lusófonos, é facilitada pela língua comum.

Daí que, sem prejuízo de um imigrante ou emigrante ter maiores constrangimentos do que um natural do país de acolhimento, desde logo ao nível da autorização de residência, do reagrupamento familiar e da morosidade dos processos administrativos, a experiencia que tenho vai no sentido de ser mais fácil aos cidadãos lusófonos imigrantes integrarem-se do que de qualquer outra nacionalidade.

Por essa razão, atendendo aos laços históricos com os países lusófonos, a Constituição portuguesa estabelece em reciprocidade maiores facilidades eletivas a cidadãos lusófonos imigrados em Portugal que concorram a cargos autárquicos, estabelecendo também mecanismos de valorização do relacionamento desses cidadãos noutros domínios.

Relativamente aos novos desafios, a Lei-quadro de mobilidade aprovada na Cimeira de Luanda quando Angola presidia à CPLP, em 2022, foi um passo importante para a circulação dos cidadãos lusófonos no vasto espaço da nossa comunidade.

Naturalmente essa circulação não pode ser genérica nesta fase, mas do meu ponto de vista, ir-se-ão dar passos concretos na sequência dessa aprovação no sentido de determinadas atividades profissionais terem maior facilidade na obtenção de vistos.

Refiro-me, por exemplo, a empresários que sendo de um país lusófono investem noutro também lusófono, criando riqueza, não fazendo sentido condicionar a sua livre circulação, tal como a investigadores universitários, ou homens e mulheres de cultura de referência de qualquer dos nossos países, naturalmente em condições a estudar.

Tendo ao nível dos Países Lusófonos sido assinado um protocolo ao nível da concessão de vistos ao nível dos Países da CPLP, o que lhe apraz comentar sobre a efectividade desta medida?

Concordo com o Protocolo assinado no domínio do deferimento de vistos que, com limite temporal, aproveitam a situação de lusófonos que por esses vistos podem usufruir do direito de circulação no espaço de Schengen da U.E.

O Protocolo é prudente, não compreendendo as razões para algumas reações que li na comunicação social.

Roma e Pavia não se fizeram num dia e a efetividade desse protocolo, com eventuais adaptações, não deixará de se efetivar.

A Língua Portuguesa é Língua Oficial dos Países Lusófonos. Sabendo nós que á exceção do Brasil, os outros Países têm também políticas de desenvolvimento das suas Línguas Maternas. Como avalia atualmente a implantação do PORTUGUÊS nos Países da Lusofonia? Em evolução ou regressão?

Hoje, mercê de várias circunstâncias que têm a ver com a prolongada guerra em Angola que deu lugar a uma forte mobilidade dos cidadãos para as cidades e dos soldados para diferentes regiões do país, a língua portuguesa passou a ser acrescidamente a língua de comunicação.

Daí que, seja hoje uma língua materna, facto que reforça a própria unidade do país e a sua identidade, o que não é questão negligenciável.

Relativamente aos países insulares, como São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, a língua portuguesa é hoje generalizada, tal como o crioulo, que, como referi, tem a maioria dos vocábulos originários na língua portuguesa, para não falar, como refere, do Brasil.

Na Guiné-Bissau a dimensão da utilização do português não é tão significativa como é nos países insulares lusófonos mas é o crioulo que é veículo de comunicação entre diferentes dialetos.

Isso tem de ser interpretado como uma riqueza e não como uma diminuição, sendo certo que defendo o reforço do incremento da língua portuguesa, mais significativo na Guiné-Bissau.

Em Moçambique o recurso à língua portuguesa como veículo de comunicação não é tão expressivo como em Angola mas é-o do ponto de vista das instituições públicas, o que é também importante para o reforço da identidade do país que, como é sabido, faz fronteira com países de língua inglesa.

É de registar que a Região Administrativa Especial de Macau adotou como uma das línguas oficiais o português, conduzindo a República Popular da China a considerar esta região como plataforma do relacionamento com os países de língua oficial portuguesa, criando para o efeito instituições económicas e culturais próprias.

Considera que deveriam ser desenvolvidos mais esforços de promoção do idioma junto da população, particularmente entre os estudantes? De que forma?

Considerando que nos países africanos lusófonos a maioria da população tem menos de 20 anos, é muito importante olhar-se para esta faixa etária.

Daí que defenda acaloradamente a criação de projetos do tipo “Erasmus” existente na U.E., onde os jovens de um país lusófono poderão estudar na universidade de outro país lusófono, pelo menos durante um ano, aprofundando-se assim, com os olhos postos no futuro, o relacionamento entre os nossos povos.

É da opinião que os países lusófonos têm conseguido aproveitar todo o potencial das ligações desenvolvidas no âmbito da CPLP? Que eixos de atuação deveriam ser apostas mais vincadas por parte desta entidade?

Tenho há muito defendido a necessidade de irmos mais longe no aprofundamento das relações entre os países lusófonos, dado o potencial destes.

Basta olhar para o globo terrestre para vermos que todos os nossos países fazem fronteira com o mar e que a transação dos bens comerciáveis à escala planetária é feita por mar.

Assim sendo, considerando desde logo que a língua portuguesa é a mais falada do Atlântico Sul, fácil é concluir que podemos e devemos conjugar esforços para que a própria defesa do Atlântico Sul, particularmente necessária nas costas de África, sujeitas à pirataria em zonas como o Golfo da Guiné ou a costa da Somália, tenham o contributo das armadas dos nossos países.

Sublinho que a armada do Brasil é a segunda mais importante da América Latina mercê do facto do Brasil ter oito mil quilómetros de costa.

O mar, por outro lado, tem riquezas inexploradas para além das que resultam da pesca, possibilitando ainda uma dinamização turística transatlântica que pode ser conjugada com os nossos países, aproveitando aos respetivos povos, para além das indústrias que podem ser dinamizadas.

Particularmente relevante é o domínio da cultura e das indústrias culturais, com potencialidades intraduzíveis e que podem e devem ser mais dinamizadas.

Numa altura em que se assinalam os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no dia 10 de Dezembro, quais são as principais preocupações, a este respeito, que identifica na atualidade à escala global?

São muitas as preocupações quanto à salvaguarda dos Direitos Humanos, mesmo nas democracias liberais.

Após a queda do mundo bipolar assistimos à valorização e endeusamento dos mercados, privilegiando objetivos económicos e sustentando em mutos casos a democracia como limitada ao princípio “um homem um voto”.

Sucede que a democracia liberal, ínsita à salvaguarda dos Direitos Humanos, não se limita a estes princípios que são fundamentais.

Para melhor se compreender a minha ideia, ninguém põe em dúvida que a Espanha é hoje uma democracia e Portugal também.

A Espanha fez uma transição para a democracia repondo a monarquia como instituição de referência e unidade de um Estado com várias regiões autónomas, com bandeira e instituições governamentais próprias.

Isso não poderia ocorrer em Portugal, a nação mais velha da Europa, com identidade linguística total.

Daí não fazer qualquer sentido Portugal institucionalizar regiões continentais autónomas, como sucede na Madeira e nos Açores, pela insularidade que têm.

Porém, um pequeno país como a Suíça, com três línguas, adotou um sistema democrático com forte participação referendária dos cidadãos que nenhum outro país europeu tem.

Por fim, como exemplo, a Alemanha é um país federal, como é sabido.

Estes exemplos permitem constatar que a implementação da democracia e a sua dinamização tem de atender à especificidade sociológica e cultural de cada país e à sua realidade étnica, não sendo aconselhável reproduções mecanicistas da democracia cujo regime defendo com firmeza.

A reprodução mecanicista da democracia deu mesmo em África lugar ao crescimento da conflitualidade como sucedeu no Ruanda, na República do Congo, para só citar dois exemplos.

A defesa dos Direitos Humanos e da democracia está mesmo na ordem do dia porque os avanços de sinal contrário, com partidos e organizações extremistas que a procuram abalar, com interligações internacionais, é uma evidência.

Como avalia, até ao momento, o desempenho de António Guterres enquanto Secretário-Geral da ONU?

António Guterres, que conheço bem, tendo sido seu Secretário de Estado quando Primeiro-ministro e membro do seu gabinete anteriormente, foi eleito pela primeira vez na história da ONU por mérito próprio, apresentando-se a um concurso público.

Isto diz tudo do valor e preparação que tem.

Ocupou o lugar em plena multipolaridade, que nada tem a ver com a estrutura orgânica da ONU, criada sob o mundo bipolar que deu assento exclusivo no secretariado permanente às potências vencedoras do segundo conflito mundial

A ONU está desenquadrada deste novo mundo multipolar e não conseguiu ainda, apesar das múltiplas propostas feitas, reestruturar-se organicamente.

Não é por isso uma posição fácil a de Secretário-geral.

Inteligentemente, António Guterres, percebendo por experiencia própria isto, procurou valorizar e fazer intervir a ONU em questões crescentemente graves para toda a Humanidade, como as questões ambientais e, noutro domínio, a defesa intransigente de todos quantos são afetados por catástrofes naturais ou por consequências de guerras, como vemos na Ucrânia e no Médio Oriente.

A História irá reconhecer o papel que tem tido e continuará a ter.

É um homem bom, humanista, e profundamente solidário com o seu semelhante, sobretudo os que mais precisam.

Que importância atribui a projetos que se destinem a desenvolver laços entre as comunidades portuguesas e lusófonas por todo o mundo, como é o caso da Diáspora Lusa e desta sua Revista DIÁSPORA LUSA MAGAZINE?

Atribuo uma importância crescente neste mundo crescentemente multipolar, em que a lusofonia é e tem de ser uma âncora de entreajuda e afirmação comum dos povos e países de língua portuguesa, sendo necessário para esse feito, uma estratégia que olhe para o longo prazo e que sinto pelas respostas pragmáticas e imediatistas que não está, infelizmente, a ter a robustez que devia.

Vitor Ramalho in Diáspora Lusa Magazine 8