Nascido em Coimbra, Portugal, a 5 de outubro de 1958, Jorge Tito de Vasconcelos Nogueira Dias Cabral, é o atual embaixador de Portugal na Bélgica, posto que assumiu em fevereiro de 2023.
É casado com Maria Rita Salema de Vasconcelos Cabral, tem três filhos, e conta com licenciatura em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa.
Foi também embaixador de Portugal em Israel (dezembro 2020 a 23 fevereiro 2023), no Brasil (2016 – 2020) e na Turquia, entre 2012 e 2016, quando, simultaneamente, estava acreditado como embaixador não residente no Afeganistão, Azerbaijão, Geórgia e Turquemenistão, tendo tido a experiência de ser também embaixador de Portugal no Irão (2009-2012).
Assumiu também cargos como subdiretor geral de Relações Bilaterais da Direção Geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal; ministro Conselheiro e Chefe de Missão Adjunto na Embaixada de Portugal em Londres, no Reino Unido; ministro Conselheiro e Chefe de Missão Adjunto na Embaixada de Portugal em Maputo, Moçambique; adjunto do Primeiro-Ministro (XI e XIV Governos Constitucionais de Portugal); ministro Conselheiro e Chefe de Missão Adjunto na Embaixada de Portugal no Cairo, Egito; passou ainda pela embaixada de Portugal em Bonn, na Alemanha, como segundo, primeiro Secretário e Conselheiro de Embaixada Atuou no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa, nos Departamentos de África e Oriente Médio; Comunicação e Imprensa e Assuntos Europeus. Um currículo que começou a ficar volumoso desde 1983, quando foi admitido à carreira diplomática portuguesa. Recebeu diversas condecorações, tais como a Grã-Cruz da Ordem do Mérito (Portugal); Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul (Brasil); Grande Oficial da Cruz de Mérito Federal (Alemanha); Comenda da Ordem da Fénix (Grécia); Comenda da Ordem do Rei Leopoldo I (Bélgica); Oficial da Ordem do Mérito (França); e Oficial da Ordem Francisco de Miranda (Venezuela).
Para perceber o estado das relações entre Portugal e a Bélgica, entrevistamos Jorge Cabral, que sublinhou o papel relevante da comunidade portuguesa nesse país europeu, do ponto de vista cultural, social e económico, destacou os desafios encontrados na promoção e ensino da língua portuguesa, bem como comentou a importância das relações comerciais bilaterais.
Como avalia a comunidade portuguesa residente na Bélgica?
Dos muitos contactos que tenho mantido com a comunidade portuguesa aqui residente desde que cheguei à Bélgica, em fevereiro de 2023, pude confirmar a impressão que já tinha e me vinha sendo transmitida por fontes diversas. Trata-se de uma Comunidade que se soube integrar muito bem neste país e que é muito respeitada. Granjeou uma imagem positiva, tanto junto da população local, como das autoridades belgas, social e profissionalmente.
Estamos também a apostar fortemente na promoção de Portugal, enquanto destino de investimento direto estrangeiro.
Os portugueses aqui residentes são considerados pessoas sérias, trabalhadoras, responsáveis, competentes e afáveis. A apropriação do modo de vida e costumes belgas não impediu uma salutar e natural preservação da identidade nacional e das raízes regionais, que se materializa através das inúmeras atividades de cariz profundamente português, religiosas e etnográficas, organizadas e promovidas por associações, clubes e grupos de compatriotas em vários pontos da Bélgica.
Como está a estruturada essa mesma comunidade?
A comunidade destaca-se pela sua pluralidade, aglomerando e aproximando concidadãos dos mais variados quadrantes e origens. Uma diversidade que se explica olhando para história do nosso país e que se caracteriza pelo cruzamento da emigração dita mais tradicional, característica dos períodos do pré e pós-25 de Abril (e os respetivos descendentes, que já nasceram, cresceram e se encontram plenamente integradas neste país), com uma emigração mais qualificada, que foi surgindo de forma mais acentuada sobretudo após a Europeia. Esta última é, talvez, mais transitória e composta essencialmente por jovens-adultos qualificados que procuram carreiras internacionais junto das Instituições Europeias e demais organizações internacionais presentes na Bélgica, mas que, não raras vezes, transitam, depois de uma primeira experiência profissional, para o setor privado belga. São comunidades que raramente se misturam com as mais tradicionais e tendem a mover-se em círculos mais restritos e mais específicos – ou “bolhas”, como aqui se diz.
Uma falta de proximidade que esta Embaixada tem vindo a procurar atenuar, na medida das suas possibilidades e competências; nomeadamente, promovendo iniciativas, sobretudo na vertente cultural, que não só deem a conhecer a língua e cultura portuguesas, mas que sirvam, igualmente, como veículo agregador para os tantos emigrados e expatriados que aqui se encontram estabelecidos.
Que tipo de relações diplomáticas e comerciais existem entre Portugal e Bélgica atualmente?
A Bélgica, como saberá, é um país extremamente complexo do ponto vista institucional. Coexistem aqui diferentes níveis de poder (Federal, Regional e Local) e diferentes configurações linguísticas (Comunidades francófona, neerlandófona ou germanófona). A existência de cinco Parlamentos com competências próprias é bem ilustrativa desta realidade. As relações bilaterais não se cingem, por isso, apenas ao poder federal, bem pelo contrário. Nesse sentido, temos procurado reforçar e estreitar as relações institucionais em todas estas vertentes e nas áreas estratégicas da nossa atuação de forma sustentada e – quero acreditar bem-sucedida. As relações económicas e comerciais de Portugal com a Bélgica são bastante relevantes e assaz diversificadas. Ao nível das exportações de bens e serviços, a Bélgica foi, em 2023, o 8º cliente de Portugal (3,1 mil milhões de euros de vendas) ocupando a mesma posição ao nível das importações portugueses de bens e serviços (3,7 mil milhões de euros). No que se refere ao investimento, a Bélgica foi o 6.º maior investidor em Portugal, com um valor de 450 milhões de euros, e o 15.º destino do investimento direto português no estrangeiro (462 milhões de euros). Se analisarmos os fluxos turísticos entre os dois países, também em 2023, constatamos que o mercado belga se posicionou como o 13º mercado turístico da procura externa para o destino Portugal, quer aferido pelo indicador dormidas (quota de 2,0% do total) quer pelo indicador hóspedes (quota de 1,9%).
As relações económicas estão, por isso, a um bom nível, mas trabalhamos todos os dias com empresas, associações empresariais, câmaras de comércio, clusters, universidades e outras instituições públicas e privadas dos dois países, incluindo das três regiões belgas, para aumentarmos a sua intensidade, bem como a notoriedade e visibilidade de Portugal como um país moderno, empreendedor e competitivo.
Quais os símbolos e aspetos da portugalidade mais evidentes na Bélgica?
É preciso ter presente que, em números informais, este país acolhe já cerca 71 mil portugueses, essencialmente concentrados nas cidades de Bruxelas (e toda a sua periferia) e Antuérpia. É por isso bastante fácil, em determinados bairros daquelas cidades, ouvir-se falar português na rua e nos comércios adjacentes. É igualmente possível – e agora, já não apenas naqueles pontos do país, mas em todo o território belga – encontrar um café, ou restaurante português que nos transporta diretamente até Portugal, tanto pela decoração do espaço, como pelo ambiente e oferta gastronómica. O tradicional e icónico pastel de nata, por exemplo, é um verdadeiro caso de sucesso na Bélgica, assegurando um lugar no topo da doçaria mais apreciada neste país, sendo vendido atualmente não só nos restaurantes, cafés e estabelecimentos comerciais portugueses, mas também nas grandes cadeias de supermercados e restaurantes belgas.
Que tipo de trabalho desempenham as associações portuguesas existentes no país?
As associações portuguesas na Bélgica tiveram um papel essencial no acolhimento dos portugueses emigrados dos anos 1960 e 1970.
O espírito associativo foi instrumental para uma melhor integração dos nossos concidadãos no país de acolhimento, tendo servido não só como elemento agregador, mas também como fonte de informação para facilitar as muitas dificuldades que os nossos concidadãos encontraram na sua chegada à Bélgica.
As atividades e iniciativas que aquelas associações e clubes foram promovendo, proporcionaram importantes momentos de aproximação, convívio e partilha, essenciais para quem chega a uma terra estrangeira e precisa, para o seu bem-estar, de continuar a sentir-se em casa. Tanto quanto sei, nessa altura o movimento associativo agregava, em torno das tradições e costumes portugueses, um número muito significativo de portugueses.
É preciso perceber que a realidade de hoje é muito diferente daquela que existia há 50 ou 60 anos. Não só o acesso à informação está atualmente muito mais facilitado, como também os portugueses que aqui chegam nem sempre precisam, como precisaram no passado, daquele tipo de ambiente para se sentirem integrados. E a verdade é que as associações e clubes, apesar do esforço que vêm procurando fazer para inovar a sua oferta de forma a poderem chegar às novas gerações, tendem genericamente a manter a sua essência e natureza primeiras. Não é fácil encontrar o justo equilíbrio entre a promoção das nossas raízes – nomeadamente essencial para a preservação e conservação da etnografia portuguesa – e, paralelamente, a disponibilização de uma oferta mais inovadora, que possa ser atrativa para as gerações mais jovens. É um caminho de adaptação e reconfiguração que tem – e está – a ser feito e que só posso desejar seja bem-sucedido. Pela nossa parte, O Ministério dos Negócios Estrangeiros, através da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas, vem assegurando a distribuição de apoios financeiros ao movimento associativo português no estrangeiro, justamente para ajudar aquelas associações e clubes a melhor conseguirem prosseguir aquele caminho.
Há uma listagem dessas associações?
Sim. A Embaixada tem mantido uma lista atualizada das associações presentes em todo o território belga e tem tentado estabelecer, com todas elas, um contacto regular.
Este contacto direto que mantemos, através de uma “lista de contactos” tão exaustiva quanto possível, é uma das formas que utilizamos para difundir informação pertinente para a comunidade e cada uma das associações em causa.
Outra relevante forma de divulgação de informação faz-se através das plataformas digitais, estando toda a informação do trabalho por nós desenvolvido, nas mais distintas áreas, disponível para consulta na página oficial da Embaixada de Portugal na Bélgica bruxelas.embaixadaportugal.
Como está a vitalidade do ensino da língua portuguesa no país?
Ao nível do ensino superior, disponibilizamos formação na área de estudos portugueses na Universidade de Gent e na Université Libre de Bruxeles (ULB), prevendo-se, para 2025, o alargamento da oferta à homologa flamenga, Vrije Universiteit Brussel (VUB). Ao nível do ensino básico e secundário, os números de alunos que frequentam cursos de língua e cultura portuguesas não tem sofrido alterações significativas. Há, porém, dois desenvolvimentos que merecem especial atenção: Uma diminuição pontual do número de inscrições (de 671, em 2023, para 642 em 2024), fenómeno que teve maior incidência na Flandres; e uma grande disparidade da procura dos cursos de língua e cultura portuguesas entre a população portuguesa residente nas regiões de Bruxelas e da Valónia, em manifesto contraste com a quase residual procura daqueles cursos por parte da população portuguesa residente na Flandres.
Constatamos, ainda, que continua a existir um grande desconhecimento dos cursos de língua e cultura portuguesas, organizados e promovidos pelo Camões IP, não obstante os esforços feitos para a respetiva divulgação. Consideramos ser fundamental continuar a divulgar e a insistir na importância da preservação da língua de origem, também para um desenvolvimento psicológico harmonioso das crianças. Sabemos, também, que disso depende, em grande medida, o sucesso cognitivo e académico dos jovens. Por isso, é importante que as crianças frequentem os cursos que o Camões IP disponibiliza. No âmbito do PRR, está em curso o processo de digitalização do Ensino Português no Estrangeiro, com a distribuição de equipamento para utilização dos alunos que frequentam os cursos de língua e cultura portuguesa, bem como para a capacitação dos professores, estimulando-os a utilizarem aqueles equipamentos. De resto, o ensino e a aprendizagem evoluem para formas de trabalho colaborativo e à distância.
A comunidade portuguesa na Bélgica – quer seja a geração que se instalou há mais anos no país, quer os seus descendentes, quer a nova geração que se tem instalado mais recentemente na Bélgica – está presente em amplos setores da atividade económica local, nomeadamente nas empresas, nas universidades e centros de investigação, nas entidades publicas e também ao nível das instituições europeias e organizações privadas relacionadas com a chamada “bolha de Bruxelas”. É uma comunidade socialmente bem integrada, presente nas três regiões belgas (Bruxelas-Capital, Flandres e Valónia), cada vez mais qualificada e que aqui procura novas oportunidades profissionais e de negócio.
Acredita que os portugueses emigrados na Bélgica têm o desejo de regressar a Portugal?
É sempre difícil responder a essa questão, já que ela depende muito da vida que cada um construiu aqui. Pelo que tenho observado, muitos dos portugueses que emigraram nos anos 1960 e 1970 (e até alguns já da segunda geração) regressam a Portugal para usufruírem da sua reforma, ainda que, nalguns casos, não abandonem completamente a Bélgica. Normalmente, vêm cá passar os meses de inverno, já que as casas estão mais bem preparadas para o frio que se faz sentir naqueles meses do ano. Curiosamente, há menos de um mês a Embaixada acolheu, nas suas instalações, um encontro entre a Senhora Ministra da Juventude e Modernização e os jovens portugueses residentes na Bélgica, no qual o tema do regresso a Portugal foi também abordado. Dum modo geral, a juventude que atualmente vive e trabalha no estrangeiro e na Bélgica, em particular, ainda aposta na diversificação da sua experiência internacional, sendo que, na sua maioria, todos eles gostariam de poder regressar a Portugal, um dia, se conseguissem assegurar os níveis de qualidade de vida que aqui encontraram. Para estes jovens, a decisão de regressar será provavelmente tomada mais tarde, nas suas vidas. E ficará sempre muito condicionada, parece-nos, à evolução das condições de vida e níveis remuneratórios no nosso país.
Como estão organizados e distribuídos, em termos económicos e de ações comerciais, os empresários portugueses no país?
Existem, em Bruxelas, duas associações empresariais ligadas à promoção das relações económicas e comerciais entre Portugal e a Bélgica. Nomeadamente, a Câmara de Comércio Belgo-Portuguesa e a Federação dos Empresários Portugueses na Bélgica. Estas são entidades que se diferenciam em matéria de perfil dos respetivos associados, mas também nas características e intensidade das ações que dinamizam. Mas que se complementam bastante bem, congregando um número significativo de empresas portuguesas com investimentos diretos na Bélgica, de empresas ligadas à Diáspora portuguesa na Bélgica e, também, de empresas belgas com negócios, ou interesses, em Portugal. A Embaixada e os serviços da AICEP têm uma relação de grande proximidade com estas associações empresariais, através do apoio e da colaboração com diversas iniciativas, por forma a que possam ter o merecido impacto e resultado na promoção dos interesses económicos portugueses na Bélgica. Refira se também que existe em Portugal uma congénere da Câmara de Comércio Belgo-Portuguesa, designada Câmara de Comércio Luso-Belga-Luxemburguesa.
Que desafios encontra a diplomacia portuguesa na Bélgica diante da comunidade lusodescendente?
Há vários desafios, o que é excelente porque nos motiva no nosso trabalho diário. Talvez um dos principais seja conseguir atrair mais jovens portugueses na Região de Flandres para os cursos de língua e cultura portuguesa. Como referi na pergunta sobre o ensino da língua portuguesa, temos de continuar a divulgar a existência de cursos de língua portuguesa, sobretudo na região flamenga e informar o nosso público sobre as vantagens e mais-valias de se ser proficiente em português, uma língua global, em crescimento exponencial. Certamente que conhece exemplos de candidatos a certos empregos que foram selecionados pelo facto de dominarem a língua portuguesa. O domínio de várias línguas é, de resto, um inquestionável trunfo no mundo global da atualidade.
No que respeita à interação da diplomacia portuguesa com as autoridades belgas, Portugal e a Bélgica são dois países cujas visões convergem em muitas áreas estruturais e fundamentais.
Por fim, como avalia o momento económico e diplomático entre Portugal e Bélgica?
Ao nível económico, estamos a promover um conjunto de iniciativas com vista à expansão das relações económicas bilaterais, com a identificação e divulgação, junto do setor privado português, de novas áreas e setores de aposta no mercado belga, com maior valor acrescentado e mais bem integradas nas cadeias de valor globais. Mas estamos também a apostar fortemente na promoção de Portugal, enquanto destino de investimento direto estrangeiro, num conjunto específico de setores e tirando partido das vantagens competitivas de Portugal neste período de instabilidade nos mercados internacionais, em resultado da situação geopolítica global. Esta estratégia de promoção económica e comercial tem tido um bom acolhimento por parte dos nossos interlocutores belgas e esperamos que venha a ter resultados concretos, a curto e médio prazo. No que concretamente se refere às relações diplomáticas entre Portugal e Bélgica, importará recordar que são genericamente excelentes, muito antigas e historicamente consolidadas ao longo de séculos, próximas e dinâmicas.
Beneficiamos, além do mais, da enorme mais-valia de partilharmos valores, perspetivas e avaliações muito semelhantes e não raras vezes convergentes, em matéria de visão e prioridades de política externa.