Serge Wauthier, embaixador da Bélgica em Portugal, acredita que há várias semelhanças nas relações entre os dois países, inclusive, diplomáticas. Este responsável, que está nestas funções em Lisboa desde em agosto de 2022, considera que a relação atual entre a Bélgica e Portugal “é robusta e amigável” e que “somos mais parecidos do que diferentes. O diplomata, que nasceu em 1959 em Charleroi, Bélgica, e é casado desde 1983 e pai de três filhos, afirma que a presença da comunidade portuguesa na Bélgica auxilia no desenvolvimento económico do seu país, mas, também, “de forma mais ampla, na União Europeia.
Como avalia a comunidade portuguesa residente na Bélgica?
Enquanto Embaixada da Bélgica em Lisboa, temos poucos contactos com portugueses residentes na Bélgica, que recorrem sobretudo à Embaixada de Portugal na Bélgica para a resolução dos seus assuntos administrativos. Todavía, é evidente que a comunidade portuguesa na Bélgica é uma comunidade bem integrada no tecido económico e social belga; isto mantendo os seus laços com a cultura portuguesa através das inúmeras associações activas nesta área.
Trata-se de uma comunidade trabalhadora que não hesita em criar o seu próprio negócio em áreas muito diversas.
Que tipo de relações diplomáticas e comerciais existem entre Portugal e Bélgica atualmente?
As relações diplomáticas são as de dois países like minded, muito próximos praticamente em todas as problemáticas. Acima de tudo, somos países atlânticos (a Bélgica pelo Mar do Norte), abertos ao mundo.
Tal como a Bélgica, Portugal desempenha, no contexto internacional, um papel de bridge builder, criador de soluções e não de problemas. Somos também dois países convencidos pelo multilateralismo e partilhamos também uma atenção especial à África Subsariana. Ao meu ver, esta aproximidade e a percepção do nosso ADN de bridge builder foram magnificamente ilustradas pela missão conjunta em Tunísia que o Alto Representante Borrel confiou aos Ministros Cravinho e Lahbib.
Quais os símbolos e aspetos da portugalidade mais evidentes na Bélgica, na sua opinião?
Depois das sardinhas e do Mateus, há também os pastéis de nata (risos), instrumento valioso da soft diplomacy portuguesa, que têm invadido nos últimos anos as pastelarias na Bélgica. A pacífica ofensiva gastronómica não fica por aí: os restaurantes portugueses abundam em Saint Giles, por exemplo, e não podia esquecer o «café Portugal» decorado com as cores de Portugal nos dias de jogos da seleção nacional, a caminho do trabalho, ao longo da Avenue de la Couronne. Porque Portugal, também é, claro, o futebol e Ronaldo.
Mas sem dúvida que, na Bélgica, a portugalidade está muito mais presente e diversificada do que isso, no coração dos muitos belgas que visitam Portugal ou pretendem fazê-lo. Mais profundo ainda: um retrato de Camões enfeita o gabinete de um ator-chave da vida política belga. Isto não é sem significado, pois celebramos os 500 anos deste ilustre escritor!
Qual o estado atual do fluxo migratório entre Portugal e Bélgica?
Não tenho números precisos relativos à comunidade portuguesa, mas representam várias dezenas de milhares; quanto à comunidade belga, aproxima-se das seis mil almas, com um crescimento anual de cerca de 6% nos últimos anos. Estes números devem ser encarados com cautela: os belgas não são obrigados a se inscrever na Embaixada. Os meus números reflectem apenas os belgas inscritos (e domiciliados) em Portugal. Estamos firmemente convencidos, na Embaixada da Bélgica, de que há muito mais belgas vivendo em Portugal a longo prazo, já para não falar dos numerosos visitantes belgas que visitam o país por curtos períodos. Portugal é muito popular para os belgas!
Consegue afirmar que a comunidade portuguesa na Bélgica tem contribuído com o crescimento económico do seu país?
É evidente! E não só na Bélgica, mas de forma mais ampla, na União Europeia. É por essa razão que quis pessoalmente celebrar este aspeto inaugurando a Presidência belga do primeiro semestre 2024 com a instalação de um conjunto de três esculturas no Jardim da Cordoaria no Porto, que celebram a migração portuguesa para o resto da Europa. Foi preciso coragem para deixar o país e trabalhar longe da família; esta coragem e o contributo para a economia dos países em causa mereciam um gesto. O presidente da Câmara Municipal do Porto e eu inaugurámos a instalação permanente destas obras do escultor belga Dirk Lamote. Este tema significou muito para mim: sou a quarta geração de expatriados na linhagem paterna. Os dois primeiros foram pedreiros que exportavam o seu trabalho para a vizinha França.
Como tem sido a interação da diplomacia belga com as autoridades portuguesas? Que ações têm sido realizadas e o que está previsto em termos de agenda?
A visita de Estado do Rei Filipe em Lisboa em 2018 foi seguida, no outono de 2023, por uma visita de Estado do presidente Marcelo Rebelo de Sousa à Bélgica. Estas visitas são os pontos altos da relação bilateral. São tão importantes que permitem fazer um balanço da relação, e aprofundá-la através de contactos pessoais e de visitas no terreno político, económico e cultural. São também a prova da importância que atribuímos à relação. Numa relação rica pontuada por uma multiplicidade de contactos ministeriais em Bruxelas no âmbito das actividades europeias e atlânticas, este tipo de visita pessoal do Chefe de Estado assume ainda uma maior importância, na minha opinião. O mesmo acontece a nível ministerial: uma visita bilateral no terreno (foram muitas desde o fim da Covid) dá outra dimensão à relação entre os decisores que, na Bélgica, deverão ser designados, em breve, para os próximos cinco anos, no seguimento das eleições nacionais de 9 de junho.
Como avalia o momento económico e diplomático entre Portugal e Bélgica?
Como vimos, a relação diplomática é robusta e amigável. No que diz respeito à relação económica, também é muito resistente. Com uma balança dos serviços a favor de Portugal, e uma balança comercial a favor da Bélgica.
Tanto em Bruxelas como em Lisboa existe uma Câmara de Comércio bilateral que mantém relações amistosas. A Câmara de Comércio Luso-Belga-Luxemburguesa em Lisboa tem mais de 100 anos. Isto não é apenas anedótico: também reflete a profundidade e a durabilidade do relacionamento. Um chefe empresarial belga em Lisboa representa a terceira geração ativa em Portugal; uma outra empresa familiar portuguesa fundada por um belga comemorou, há dois anos atrás, 90 anos de existência! Hoje, segundo os números do BNP, os investimentos estrangeiros de origem belga em Portugal totalizam 1,6% do total dos investimentos estrangeiros em Portugal, e cresceram, entre 2022 e 2023, de 6%!
Por fim, que mensagem deixa para a comunidade belga residente em Portugal e, ao contrário, o que pode dizer à comunidade portuguesa residente na Bélgica?
Estejam abertos! Aos belgas, procurem no vosso fundo o Português que está em vós, aos Portugueses, o Belga que vive em vós. Somos mais parecidos do que diferentes, e a viagem de um para o outro vale muito a pena!