Os desafios que enfrentei aquando da minha chegada à África do Sul foram, confesso, de índole cultural e políticas.

Cheguei a este país em Janeiro de 1985, vindo de Lisboa, na sequência da crise económica que se vivia em Portugal. Estando ligado ao sector bancário desde 1974, ainda em Moçambique e, posteriormente em Lisboa (1983), e tendo entretanto obtido a autorização de residência na AS e contraído matrimónio em 1982, devido ás dificuldades que o nosso País enfrentava fizeram com que desse início ao processo de pedido de residência na África do Sul, tendo em vista que alguns familiares próximos já aqui residiam desde a descolonização e independência de Moçambique, de onde sou natural (segunda geração)

Assim,  com a promessa de continuar no mesmo sector  bancário através de uma oferta de emprego do, na altura,  Bank of Lisbon & South Africa (grupo BNU/CGD), fixei-me na cidade de Durban, na costa do Índico,  semelhante à antiga Lourenço Marques, de onde sou natural e onde estudei e fiz o ensino secundário, além do primeiro emprego. Em 1976, devido à deterioração da situação abandonei a minha terra natal e rumei a Coimbra onde tencionava prosseguir os meus estudos de Direito que não terminei, devido a vários factores.

Ainda antes de emigrar para a AS, estive a trabalhar em Israel entre 81/82, regressando a Portugal e concorrido ao Banco Pinto e Sottomayor onde trabalhei até aqui me fixar.

Os muitos anos que trabalhei para esta instituição fizeram com que a minha ligação à Comunidade Portuguesa fosse fácil e permanente,  uma vez que sendo um banco de capitais portugueses era muito apoiado pela nossa Comunidade. Assim  começou a minha integração no movimento associativo, tanto em Durban como em Joanesburgo entre elas as Academias do Bacalhau, de que sou compadre honorário fazendo parte da direcção da academia fundadora de Joanesburgo há mais de 20 anos, tendo iniciado o meu caminho desde 1986. Fiz também parte das direcções da Associação Portuguesa do Natal,  Casa do Benfica de Joanesburgo, Associação dos Antigos Residentes de Moçambique, etc. Sou também Conselheiro das Comunidades Portuguesas desde 2008, reeleito em 2015 e candidato às próximas eleições de 26 de Novembro para este órgão consultivo do Governo Português.

Desafios de integração no país em si, como referi acima, foram de índole política,  ainda se vivia o tempo da segregação racial que era um facto estranho para mim, com várias limitações nos direitos fundamentais no que à liberdade individual diz respeito e também quanto à cultura do País,  tendo em conta que se trata de uma cultura anglo-saxónica com forte influência também da cultura neerlandesa e calvinista. Felizmente já tinha uma experiência anterior de emigração em Israel, também ela com dificuldades de adaptação a todos os níveis. Contudo,  como é apanágio do nosso povo, rapidamente nos adaptamos às circunstâncias e, tanto num caso como noutro facilmente me adaptei uma vez que falava, escrevia e entendia fluentemente o inglês após os 5 anos de estudo no ensino liceal desta língua franca.

A nossa Comunidade é uma mescla de várias origens desde a Ilha da Madeira,  que terá sido a primeira a aqui se fixar no início do século XX cerca dos anos 30, seguida da vaga dos anos 60 originária do Continente e que consistia de operários e artesãos de que a AS necessitava devido ao boom económico industrial, da construção civil e mineiro. Depois da independência das ex-colónias dá-se a terceira vaga com os refugiados de Angola e Moçambique em que muitos foram acolhidos por este País chegando a atingir cerca de 600 000, uma estimativa do governo local e do governo português. A Comunidade Madeirense está tradicionalmente ligada ao comércio e agricultura mas, todas elas, com a evolução para segunda e terceira gerações, estão hoje espalhadas pelos vários sectores tais como, industrial,  comércio, político, cultural, profissões liberais, mundo académico, etc.

Socialmente a Comunidade está, na sua grande maioria perfeitamente integrada e, tendo em conta que muitos, tal como eu e a minha família,  são já cidadãos sul-africanos tendo obtido a dupla nacionalidade, já têm uma “costela” local e africana. Aliás, este é um dos grandes problemas das nossas associações e  clubes que atravessam grandes dificuldades pois os nossos jovens,  ao contrário dos seus pais e avós, já não sentem necessidade de os frequentarem e matar saudades da sua terra. Hoje as suas principais raízes são sul-africanas e os seus amigos têm origens diversas, sendo este país formado por uma multiplicidade de culturas, raças, religiões e origens.

O que acima expliquei faz com que a nível social, económico e em grande parte cultural estejamos completamente integrados, preservando culturalmente a nossa identidade bem portuguesa mas abraçando também a sul-africana.

Politicamente a maioria é  conservadora, infelizmente muito pouco participativa, tanto localmente como nas eleições portuguesas onde podemos participar, com taxas de abstenção altíssimas. Espero que as gerações mais novas, mais bem informadas e intectualmente mais bem preparadas comecem a tomar consciência que o voto é  a sua principal arma para a mudança e o escrutínio dos seus governantes.

Sem dúvida nenhuma, Portugal só tem a ganhar com a ligação da sua Comunidade na promoção dos seus produtos, do seu turismo e em organizar parcerias entre empresas portuguesas e sul-africanas que são propriedade ou são dirigidas por luso-descendentes. A África do Sul ainda é, apesar da crise económica e de má governação, a maior potência regional. Portugal pode, e muito, aumentar as trocas comerciais com este país e até estender essas trocas para o Continente Africano uma vez que aqui se encontra uma, das poucas, plataformas e centros de negócio de África subsariana com infraestruturas de grande qualidade no sector privado e,  ainda que algo degradada, no sector público a nível de comunicações, portos, aeroportos e redes viárias.

Infelizmente, o sector bancário português encerrou os vários Escritórios de Representação em Joanesburgo (onde trabalhei em dois deles), apenas se mantendo o da CGD, sabe-se lá até quando. O próprio Bank of Lisbon (depois Mercantile) foi vendido há 2 anos a um banco Sul-Africano por imposição de Bruxelas aquando do acordo de capitalização da Caixa. Ora, estas instituições proporcionaram durante anos uma fonte de informação e facilitação de intercâmbio, formação de joint-ventures entre os dois países e apoios tanto através do crédito ou no envio de remessas para Portugal.

Destaco os exemplos mais recentes de grandes empresas portuguesas como  a SODECIA, ligada ao fabrico automóvel, a SONAE, ligada à indústria de contraplacado, ao grupo Amorim com ligações à indústria corticeira e fornece as rolhas à indústria do vinho e o grupo Pestana que aqui possui algumas unidades hoteleiras. Mais haveria para mencionar, que me perdoem, mas tornar-se-ia fastidioso. Em sentido inverso, muitas empresas sul-africanas ligadas a membros da Comunidade desenvolvem já parte da sua actividade em Portugal e outros países.

O movimento associativo atravessa um período de grandes dificuldades para a sua sobrevivência devido a vários factores, aliás uma situação repetida em vários pontos do Mundo, por várias razões que passarei a enunciar e que não serão exaustivas.

A primeira será devido ao envelhecimento e desaparecimento da primeira geração que emigrou e procurava nos clubes e associações o conforto e auxílio de que necessitava para falar a sua língua, degustar a nossa gastronomia, praticar desporto, comemorar o seu Dia de Portugal, frequentava os seus bailes e, diga-se de passagem,  muitos casamentos assim foram forjados, muitas delas também tinham as suas escolas portuguesas (que desapareceram), os filhos aí faziam as suas amizades, enfim eram autênticos centros de Portugalidade. Hoje, devido à integração de que mais acima falávamos, os jovens têm outros interesses e por vezes devido à falta de segurança nos locais onde se encontram sediados, a frequência é insuficiente e não fora a existência de bares e restaurantes já teriam encerrado. Alguns desapareceram e outros têm encontrado como solução a sua fusão. Na área de Joanesburgo já existiram mais de três dezenas de instituições entre clubes, associações, ranchos e organizações de solidariedade,  hoje não somarão mais de uma dezena. Lamenta-se, por exemplo, o desaparecimento do Lusito, escola dedicada a cuidar de crianças da Comunidade com deficiência que era o orgulho de todos nós. Esta ONG, organizava todos os anos o maior festival da Província do Gauteng a que chamou “Lusitolândia”  cujo objectivo era angariar fundos para as suas despesas. Durante vários anos foi considerado o melhor festival da AS com mais de 150 000 a apoiá-lo durante 10 dias. A Escola tinha capacidade para 60/70 alunos, com pessoal qualificado e equipamento de topo, infelizmente encerrou e as suas instalações estão hoje arrendadas.

Soluções? Sem o apoio do Estado Português e sem uma renovação dos seus quadros directivos principalmente com uma mudança geracional, receio que o futuro destas instituições corre grandes riscos e, se nada fôr feito, mais irão desaparecer e com elas a própria história da emigração neste País.

Os maiores desafios para a Comunidade Portuguesa na África do Sul serão, em primeiro lugar, as questões de segurança. Este país tornou-se um dos mais violentos do Mundo. A estatística de assassinatos em 2022 é aterradora, cerca de 27 000 cidadãos perderam a violentamente a sua vida e o número de raptos também tem aumentado. As estatísticas têm aumentado exponencialmente todos os anos, desde os finais do século passado até hoje. Vários factores têm contribuído para o aumento destes números, o passado da AS com o sistema do “apartheid”, as políticas do governo de transformação que instalaram quadros partidários corruptos e incompetentes nas forças de segurança, a corrupção endémica e impune, a situação económica que lentamente se vai deteriorando, a imigração ilegal descontrolada (ninguém sabe ao certo quantos imigrantes legal ou ilegalmente estão neste país), a própria corrupção que se espalhou por todas as esferas da Sociedade incluindo todo o governo e empresas públicas, etc. A Comunidade não é, por si só, um alvo do crime, todos nós, habitantes deste país, somos potenciais vítimas. Os nossos comerciantes devido ao facto de serem alvos fáceis e apetecíveis devido a terem negócio como supermercados, talhos, lojas de conveniência e afins onde o dinheiro vivo ainda é rei. Este ano o novo paradigma alterou-se e o método favorito de que os nossos compatriotas têm sido vítimas é o rapto. Nove é o número até esta data mas, felizmente sem perda de vidas, por vezes o resgate é pago, outras a polícia com ajuda de particulares consegue resgatar os indivíduos.

Em segundo lugar diria que as leis de tentativa de emendar os erros do passado e que hoje regulamentam as leis laborais,  com quotas baseadas na cor de pele, cerceiam o acesso ao emprego dos nossos jovens e até os mais velhos,  que não conseguem encontrar um meio de subsistência. Isto provoca uma fuga para outras paragens, aproveitando terem o passaporte português (EU) emigrando para países da União Europeia, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, USA e também para Portugal (quadros qualificados como médicos, e não só, que o nosso País podia aproveitar).

Terceiro as leis económicas que obrigam os investidores a terem um sócio também da s classes anteriormente desfavorecidas. Sócios sem capital, sem qualificações e que nada acrescentam. Consequência disto é a  falta de investimento e a não criação de empregos. A taxa de desemprego é de cerca de 37% mas se se tiver em conta aqueles que já não procuram e não se registam nos Centros de Emprego, poderá chegar quase aos 50%. A base de pagadores de impostos é de cerca de 5 milhões de contribuintes e de receptores de subsídios e pensões sociais é de cerca de 18 milhões, uma pirâmide completamente invertida e desproporcionada. Mais grave ainda, a dívida externa aumentou de 15% em 1992 para mais de 90% em 2023. Não fosse os fortes alicerces económicos da África do Sul pre-1994 e estaria como tantos outros países africanos.

Sem me querer alongar e deixando de fora outros factores,  diria que as próximas eleições nacionais a realizar provávelmente em Maio de 2024 serão fulcrais para o destino da África do Sul e da nossa Diáspora neste país. Caso se mantenha o status quo e não seja afastado o actual partido no poder que, note-se, já não é o partido de Mandela e foi capturado por um grupo de gente incompetente,  corrupto e até racista e xenófoba, julgo que os portugueses e luso-descendentes se juntarão aos muitos milhares que abandonaram o país procurando melhores oportunidades, tal como fizeram os seus avós e os seus pais. Que Portugal possa aproveitar estes quadros e gente trabalhadora, que serão,  estou certo,  uma mais valia e contribuirão para o progresso e mudança de mentalidades nosso País.

Quanto ao melhor e maior apoio da Rede Consular, tenho de confessar que não  temos grandes razões de queixa, pode sempre ser aperfeiçoado mas a nível de funcionamento do Posto Consular, por exemplo, e comparando com aquilo que nas reuniões do Conselho das Comunidades presenciais e online onde participo, ouço queixas de vários pontos do Mundo quanto a marcações, tempos exagerados de espera, péssimo serviço, falta de funcionários e outros problemas, em Joanesburgo o Consulado oferece um serviço adequado. A Embaixada faz também, com discrição, o que pode para a protecção e acompanhamento dos Portugueses que aqui vivem. Temos também um Adido Social que acompanha, na medida do possível, os muitos problemas que devido à situação do País e ao envelhecimento dos nossos compatriotas se vão avolumando. Felizmente, a nossa componente solidária vai colmatando as necessidades, por vezes com a colaboração do Estado Português.

Quanto à luta pela maior representação política e tendo em conta os cerca de 1,6 milhões residentes no estrangeiro recenseados nos Cadernos Eleitorais, sou e serei, caso seja reeleito para o CCP, um defensor do aumento do número de deputados pelos Círculos da Europa e Fora da Europa. Os quatro que agora nos representam são manifestamente poucos e, mesmo que sejam 8, não representam os mais de 5 milhões que residem fora de Portugal. Como perguntava aos deputados da primeira comissão da AR, os partidos políticos têm medo do nosso voto e das nossas escolhas? Espero que não e nos olhem como portugueses de corpo inteiro e com os mesmos direitos daqueles que nunca tiveram de sair do país.

Os apoios sociais, baseados nos programas ASIC e ASEC terão de ser revistos e aumentados, principalmente nos países com graves problemas económicos e políticos, tais como a África do Sul e a Venezuela por exemplo. Têm também de ser agilizados para que não se espere meses por uma ajuda que é, na maior parte das vezes, de emergência.

Quanto à Língua Portuguesa, o Instituto Camões deveria ser integrado no Ministério da Educação, não faz sentido estar adstrito ao MNE. O seu a seu a seu dono, sou defensor da mudança do Conselho das Comunidades Portuguesas para a Presidência do Conselho de Ministros uma vez que os nossos problemas são transversais a vários Ministérios e uma pequena estrutura na PCM daria mais rapidez com menos burocracia para resolver os nossos problemas que são da responsabilidade da Justiça, Segurança Social, Educação, Negócios Estrangeiros, Economia, etc.

Lamento também que a enorme Comunidade da África do Sul, que muito contribui em remessas e não só, para a economia portuguesa não tenha sido contemplada com um Escola Portuguesa para os nossos filhos, netos e  bisnetos, tal como acontece com os PALOP. Aqui existem escolas subsidiadas para alemães, franceses, israelitas, muçulmanas, gregos que não têm, nem de perto, o número que nós, portugueses, temos. Somos a maior Comunidade na África do Sul e bem a merecíamos. Isto sim, é fazer com que os nossos descendentes não esqueçam as suas raízes e mantenham a ligação a Portugal.

Vasco Abreu in Diáspora Lusa Magazine 8